13/11/2014 às 17h58

Icterícia prolongada pode indicar doença grave

O sinal clínico é um dos sintomas da atresia biliar, enfermidade responsável por 50% de transplantes hepáticos em crianças

BRASÍLIA (13/11/14) – Condição comum em recém-nascidos, a icterícia neonatal prolongada por mais de 14 dias pode significar a atresia biliar. A doença pouco conhecida é responsável por 50% dos casos de transplante hepático em crianças e adolescentes.

Para evitar que o recebimento de um novo fígado seja a única possibilidade de cura do bebê, o diagnóstico precisa ser rápido. “Se a criança não for operada dentro dos primeiros dois meses de vida, ela perde a chance do tratamento clínico e cirúrgico”, ressalta a coordenadora do corpo clínico do Hospital da Criança de Brasília (HCB), Elisa de Carvalho. 

No HCB, onde funciona o único ambulatório pediátrico de doenças hepáticas do DF, metade das crianças encaminhadas para transplante hepático são portadoras de atresia. “Como a icterícia é comum em bebês, este é um sinal clínico que muitas vezes é negligenciado, pouco valorizado. Por isso as crianças chegam tardiamente para os serviços especializados”, lamenta.

A atresia biliar é uma obstrução progressiva das vias biliares, que se não tratada pode levar à falência hepática e óbito, em geral antes dos três ou quatro anos. A doença afeta um em cada 15 mil bebês.

Diagnóstico

A icterícia ocorre quando a pele e o branco dos olhos (esclerótica) da criança ficam amarelados. A alteração se deve ao excesso de bilirrubina, pigmento de cor amarelada produzido normalmente pelo metabolismo das células no sangue. Quando o fígado não consegue metabolizar toda a quantidade do pigmento, a bilirrubina acumula no sangue.

A grande diferença da icterícia fisiológica do recém-nascido para a dos portadores de atresia biliar é a sua duração e a coloração das fezes e urina. Normalmente, um recém-nascido com icterícia fisiológica até o 14º dia de vida. Já o bebê com atresia, além de ter icterícia por mais tempo, apresenta também fezes esbranquiçadas, a acolia ou hipocolia fecal; e urina escura, a colúria.

“Olhar a cor das fezes e da urina faz parte do exame clínico de criança ictérica”, ressalta Elisa de Carvalho. “Se o pediatra não olha, passa desapercebido. Isso atrasa o diagnóstico e aumenta a indicação de transplante hepático.”

A coordenadora de neonatologia da Secretaria de Saúde, Marta Vieira, ressalta que os sintomas geralmente vão se manifestar mais entre a segunda e terceira semanas. “É por isso que nos 30 primeiros dias de vida é muito importante o acompanhamento médico com uma semana e antes do primeiro mês.”

O Núcleo de Saúde da Criança esclarece que o acompanhamento do recém-nascido pode ser realizado tanto por um pediatra, como por um médico de família.

Transplante

O diagnóstico tardio foi o que levou Ana Júlia Rocha Jesus, hoje com 13 anos, a precisar de transplante. Aos dois meses e 18 dias de vida, a bebê teve acidente vascular cerebral (AVC). “Ela tinha o cocozinho claro e xixi era tão amarelo que até manchava as roupas, mas como era meu primeiro filho, eu não tinha noção de que algo estava errado”, conta a mãe, Iracilda Rocha.

Depois do AVC, a menina foi atendida pela médica Elisa Carvalho e, mesmo antes de sair o resultado da biópsia para confirmar a atresia, os pais da criança optaram por leva-la a São Paulo. Lá, além de ser o centro de referência em Kasai, a cirurgia para curar a doença, também realizava o transplante intervivos (com doador vivo), inexistente em Brasília, na época.

A bebê foi submetida à cirurgia quando tinha três meses, idade limite para que a técnica tenha sucesso. O procedimento, no entanto, não deu certo. A menina teve uma série de complicações e não saía mais do hospital.

O transplante acabou sendo a única saída para a criança. Aos oito meses, a menina recebeu um terço do fígado materno. “Eu falo que a Ana Júlia tem dois nascimentos, dia 22 de junho, quando ela nasceu, e 25 de fevereiro, que foi quando ela renasceu”, brinca a mãe.

“Em princípio eu não queria muito ser a doadora, porque eu ficava pensando em quem iria cuidar dela, porque a gente era muito apegada. Mas a gente não tinha mais tempo”.

A adolescente hoje esbanja saúde. Devido à recuperação da filha, a mãe é uma entusiasta do transplante intervivos. “Não acontece nada com o doador, só o incômodo mesmo da cirurgia”, anima Iracilda.

Na primeira consulta de Juan Carlos de Jesus Nascimento, o pediatra disse à mãe do bebê de um mês, Driele Nascimento Pereira, que o caso do menino poderia ser mais grave. “Ele estava muito amarelo, com fezes brancas”, conta Driele.

O diagnóstico veio poucos dias depois, no Hospital de Base, e o menino foi submetido à cirurgia Kasai com dois meses. Diferentemente do caso de Ana Júlia, a cirurgia de Juan Carlos deu certo e ele não precisou do transplante.

“Quanto mais cedo a criança for diagnosticada, mais chances tem de sobreviver com o próprio fígado”, ressalta o gastroenterologista do HBDF José Tenório.

Atualmente, o menino só vai ao hospital para fazer acompanhamento e todos exames vão apresentando resultados normais.