26/01/2024 às 10h18

Intolerância religiosa é tema de oficina sobre saúde da população negra

Parceria entre SES-DF e UnB busca pôr em prática no DF a Política de Saúde Integral da População Negra

Yuri Freitas, da Agência Saúde-DF | Edição: Willian Cavalcanti

Foi realizada, na última terça-feira (23), a terceira oficina de trabalho do ciclo de debates sobre a Saúde da População Negra no Distrito Federal. As oficinas reúnem estudantes universitários, profissionais da saúde, gestores e representantes da sociedade civil com objetivo de formular um Plano Operativo Distrital que efetive as diretrizes da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) no DF.

A oficina da última terça-feira (23) foi realizada pela Secretaria de Saúde (SES-DF) e pelo Observatório de Saúde da População Negra (PopNegra) da Universidade de Brasília (UnB). Foto: Isabela Graton/Agência Saúde-DF

As oficinas são organizadas pela Secretaria de Saúde (SES-DF), através da Gerência de Atenção à Saúde de Populações em Situação Vulnerável e Programas Especiais (GASPVP), e pelo Observatório de Saúde da População Negra (PopNegra), vinculado ao Núcleo de Estudos de Saúde Pública da Universidade de Brasília (Nesp/UnB).

Intitulada “Povos Tradicionais de Matriz Africana e Saúde: uma perspectiva integrativa com o SUS”, a oficina da última terça é decorrência também do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, comemorado em 21 de janeiro. O evento contou com a presença de Mãe Baiana de Oyá, ialorixá do terreiro de candomblé Ilê Axé Oyá Bagan, no Paranoá, e coordenadora da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro) no DF. No encontro, a ialorixá discorreu sobre a importância dos espaços religiosos no atendimento de demandas emocionais da população, assim como seu papel em orientar os frequentadores que buscam acessar a rede pública de saúde.

“Nós temos o costume de dizer que os nossos passos vêm de longe, o legado que os nossos ancestrais nos deixaram. E o terreiro é isso, é o cuidar das pessoas, cuidar da alma, cuidar do espírito e, principalmente, da saúde mental”, diz. Mãe Baiana faz questão de salientar que o papel dos centros religiosos não é o de substituir o trabalho dos médicos e demais profissionais de saúde, mas de complementá-lo.

“Sabemos que, da saúde da carne, os médicos cuidam, mas da saúde do espírito, disso a gente cuida. As pessoas passam no terreiro antes de procurar um médico porque elas querem ser orientadas. Muitas vezes, elas não sabem nem aonde levar o filho para tomar uma vacina, e a gente orienta. Tem ali um telefone, tem ali um wi-fi – que elas não têm em casa –, a gente empresta o telefone para ligar, para se informar”.

A ialorixá também relembra que, durante a pandemia de covid-19, o terreiro desempenhou um papel fundamental no incentivo a que a população buscasse se imunizar. “Nós somos um agente de orientação, não só espiritual – orientamos as pessoas a procurar um médico, porque a existência do médico é uma existência de Deus”.

Tema da oficina de trabalho foi “Povos Tradicionais de Matriz Africana e Saúde: uma perspectiva integrativa com o SUS”. Foto: Mariana Raphael/Agência Saúde-DF

Política Nacional de Saúde Integral da População Negra

A PNSIPN foi instituída em 2009 pelo Ministério da Saúde, como forma de combater as desigualdades ainda presentes no âmbito do SUS. A médica da família e comunidade, Juliana Oliveira, à frente da GASPVP, explica que é de suma importância a construção de um plano operativo que leve em conta a realidade do DF, de forma a materializar aqui as diretivas de uma política pública de âmbito nacional.

“A PNSIPN tem o objetivo de promover a saúde integral da população negra, priorizando a redução das desigualdades étnico-raciais e o combate ao racismo institucional no âmbito do SUS. Por isso, as oficinas trazem essa pauta à luz das diretrizes da política, construindo junto à sociedade propostas de ações que precisam sem empregadas para alcançar os objetivos da política”, afirma a médica.

Racismo Religioso

Religiões de matriz africana no Brasil, porém, ainda são alvos recorrentes de intolerância. No dia 27 de novembro de 2015, fanáticos religiosos incendiaram o terreiro de Mãe Baiana, que precisou “renascer das cinzas” para prosseguir atuando. A ocorrência seria uma dos motivadores para a criação da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin), no ano seguinte.

Para a pesquisadora e ativista do Observatório PopNegra, Marjorie Chaves, o termo mais correto para o que entendemos como intolerância religiosa seria “racismo religioso”. Como explica a pesquisadora, “é preciso qualificar o que chamamos de intolerância religiosa, pois, no caso do Brasil, essa é uma violência que atinge exclusivamente os povos tradicionais de matrizes africanas. Grupos que cultuam orixás e outras entidades que não correspondem às referências ocidentais de fé e religiosidade são cotidianamente violadas em seu direito constitucional de liberdade de crença”.

Marjorie ainda chama a atenção para o contexto histórico de marginalização que indivíduos pretos e pardos enfrentam no país, correspondendo ao maior percentual de pessoas em situação de rua ou no sistema prisional, por exemplo. “Quando nos referimos à população negra brasileira, estamos falando do maior contingente populacional do país. Ainda assim, essa é a população que mais carece de políticas públicas, seja no âmbito da educação e do mercado de trabalho, seja no acesso aos serviços de saúde”, diz.

Marjorie Chaves, pesquisadora e ativista do Observatório PopNegra, enfatiza que as vítimas de intolerância religiosa no Brasil são exclusivamente os povos tradicionais de matrizes africanas.Foto: Alexandre Álvares/Agência Saúde-DF