Rotina das profissionais de saúde que são mães no enfrentamento à pandemia
09/05/2021 às 09h40
Rotina das profissionais de saúde que são mães no enfrentamento à pandemia
Cem dias sem contato com os filhos, almoço dentro no carro e diárias em hotel; e os cuidados de mães da Saúde para preservar suas famílias
Niaranjan de Queiros ficou mais de cem dias sem ter contato com suas filhas - Foto: Divulgação
GUILHERME PEREIRA, DA AGÊNCIA SAÚDE DF Neste domingo, Brasília celebra o segundo Dia das Mães em meio à pandemia do novo coronavírus. Após 14 meses, alguns costumes passaram a fazer parte da rotina e da vida de quem combate a Covid-19 na linha de frente e tem que voltar para casa ao final do plantão. Mães que prestam assistência aos pacientes acometidos pela doença em um período do dia e tomam todo cuidado possível para não levarem o vírus para seus filhos, cônjuges e entes queridos na outra parte. O carro é higienizado com frequência. Os sapatos ficam na varanda. Nada de se sentar no sofá ou abrir a geladeira ao chegar em casa depois de um dia de trabalho, o primeiro passo é tomar banho e colocar todas as roupas do corpo de molho, para lavar. Após isso sim, se pode abraçar o filho, beijar o esposo e – finalmente – chegar em casa. Há mais de um ano, este pequeno ritual faz parte da rotina de muitas mães da rede de saúde do DF, mas essa situação já foi um pouco pior.
Nutricionista do Hospital Regional do Gama e mãe de duas filhas, Niaranjan de Queiroz chegou a passar mais de 100 dias sem ter nenhum contato com suas filhas, a fim de evitar uma contaminação pelo novo coronavírus dentro de sua casa. De março a dezembro de 2020, a nutricionista trabalhou no pronto socorro e clínicas de internação do HRG, enquanto suas filhas se hospedaram na casa dos avós, na zona rural da cidade. “Quando teve o primeiro decreto suspendendo as aulas escolares presencialmente, era tudo muito novo. A minha mãe, com receio das meninas ficarem expostas, falou para eu levá-las para a chácara dela. Eu sabia que era mais seguro, mas, ao mesmo tempo, era doloroso chegar em casa e estar sozinha”, relata Niaranjan. A nutricionista passou a falar com as suas filhas apenas por telefone ou chamadas de vídeo. Uma vez por semana, ela ia até a chácara de seus pais, para vê-las por algumas horas, mas não chegava sequer a descer do carro ou tirar a máscara para dar um beijo nelas. Em algumas ocasiões, enquanto a família degustava o almoço de domingo, a nutricionista fazia sua refeição dentro do carro.
“Eu peguei Covid em junho de 2020. Fiquei bem, tive sintomas leves e fiquei isolada em casa. Depois de 20 dias eu fiz um novo PCR (teste para detecção do vírus) e deu negativo. Logo depois do meu atestado eu entrei de férias, então, o meu período de férias eu passei junto com os meus pais e minhas filhas, porque eu já tinha passado pela doença e pelo período de isolamento. Quando eu voltei a trabalhar, elas não voltaram para casa comigo, continuaram na chácara. Foi bem nessa época que a UTI do Gama passou a ser Covid. Então eu fiquei sem elas e trabalhando em uma UTI Covid todos os dias de julho até dezembro de 2020” relata. Nesse Dia das Mães, as coisas estão um pouco diferentes do último. Tanto a Niaranjan quanto seus pais já foram vacinados e graças ao esforço da mãe e dos avós, as pequenas Bruna e Luiza nunca contraíram e nem perderam alguém mais próximo pela doença. “Tínhamos muita tranquilidade no que estávamos fazendo, porque sabíamos que era o melhor para elas e para os meus pais”, afirma. A saudade do contato diário com os filhos também foi sentida pela enfermeira Aline Batista, que atua na rede de saúde. No momento em que o DF passava pela primeira onda de Covid, Aline saiu de casa para trabalhar e ficou três semanas sem voltar para casa. “Foi muito doloroso esse momento. Fiquei três semanas direto no hospital, eu e outros colegas que passaram pela mesma situação. Em um momento a gente dormiu em hotel, porque não estávamos mais de plantão e não tinha espaço no repouso do hospital e, como meu pai é idoso, eles ficaram juntos, meu pai e meus filhos”, explica Aline.
Apesar dos cuidados recorrentes, a enfermeira também contraiu a doença e viveu momentos de aflição ao achar que poderia ter levado o vírus para sua casa. “Eu tive Covid em julho de 2020 e em um momento que eu já tinha tido contato com os meus filhos quando eu desenvolvi os sintomas. Foi muito assustador. Graças a Deus eles não contraíram, mas justamente por isso, por esse distanciamento e foi muito difícil não poder abraçar os meus filhos, não poder ter aquele contato intenso que a gente tem. A gente se privou de tudo isso”, explica emocionada. Neste domingo, Aline também já está vacinada e os filhos Levi, Daniela e João podem estar reunidos celebrando mais um Dia das Mães, com esperança de que os dias de isolamento tenham ficado para trás.